Bootstrapping (1000 reamostragens)
|
||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variável | B |
95% IC para B
|
EP B | β | R² | |
LI | LS | |||||
Constante | -1.87 | -2.27 | -1.47 | 0.22 | 0.25 | |
Gênero (feminino) | 1.24 | 1.09 | 1.39 | 0.08 | 0.12 | |
Idade | -0.08 | -0.08 | -0.07 | 0.00 | -0.17 | |
Cor/raça (não brancos) | -0.23 | -0.36 | -0.10 | 0.06 | -0.03 | |
Estado civil (sem companheiro) | 0.14 | 0.03 | 0.26 | 0.06 | 0.02 | |
Renda per capita | 0.00 | 0.00 | 0.00 | 0.00 | 0.01 | |
Renda na pandemia (diminuição) | 0.38 | 0.26 | 0.50 | 0.06 | 0.05 | |
Grupo de risco (sim) | 0.91 | 0.75 | 1.06 | 0.08 | 0.09 | |
Diagnóstico de COVID-19 (sim) | 0.45 | 0.32 | 0.61 | 0.07 | 0.05 | |
Perdas para COVID-19 (sim) | 0.41 | 0.29 | 0.52 | 0.06 | 0.05 | |
Ensino Fundamental | 0.15 | -0.03 | 0.32 | 0.09 | 0.02 | |
Ensino Médio | 0.36 | 0.12 | 0.58 | 0.12 | 0.03 | |
Atuação em mais de um nível | 0.34 | 0.17 | 0.53 | 0.10 | 0.04 | |
Outros níveis (AEE e EJA) | 0.31 | 0.02 | 0.60 | 0.17 | 0.02 | |
Organização do Trabalho | 1.62 | 1.52 | 1.74 | 0.06 | 0.30 | |
Condições de Trabalho | 0.41 | 0.29 | 0.53 | 0.06 | 0.07 | |
Relações Socioprofissionais | 0.74 | 0.64 | 0.85 | 0.05 | 0.14 | |
Nota. AEE = Atendimento Educacional Especializado. EJA = Educação de Jovens e Adultos. IC = intervalo de confiança. LI = limite inferior. LS = limite superior. EP = erro padrão. | ||||||
*p < 0,05. ** p < 0,01. ***p < 0,001. |
2 Trabalho docente e saúde mental de professores brasileiros na pandemia da COVID-19
2.1 Introdução
Nos últimos anos, têm-se evidenciado um crescimento significativo de transtornos mentais entre professores (N. R. Silva et al., 2018), situação que foi agravada com o trabalho remoto que passou a ser realizado durante a pandemia da COVID-19 (Allen et al., 2020). Nesse cenário, houve transformações abruptas no desenvolvimento da atividade docente sem o suporte necessário a essas modificações (Oliveira & Pereira Junior, 2021). A falta de acesso à internet e a computadores, bem como a baixa motivação de pais e alunos foram percebidas como barreiras ao desenvolvimento do ensino remoto (Klapproth et al., 2020).
Além disso, a transição do ensino presencial para o remoto acentuou a precarização do trabalho docente (L. G. Ferreira et al., 2021) e, em muitos casos, representou um aumento da carga horária e uma ampliação da flexibilização e da intensificação laboral (Bernardo et al., 2020). Observou-se, ainda, uma incompatibilidade do trabalho em home-office com as demandas pessoais dos docentes, uma vez que houve uma percepção de perda das vidas privada e familiar devido à realização, em casa, das atividades de trabalho (Bernardo et al., 2020; Santos et al., 2020), assim como uma invasão do tempo dedicado ao descanso (Akour et al., 2020).
O trabalho online repercutiu nas interações durante as aulas e no processo de ensino-aprendizagem, na medida em que limitou as trocas entre professores e alunos (L. G. Ferreira et al., 2021). Além das adversidades específicas do trabalho docente, estressores que emergiram com a pandemia, como o isolamento social (Silus et al., 2020), a fragilização das relações sociais (Jakubowski & Sitko-Dominik, 2021) e o medo de perder o emprego (Ferdous & Shifat, 2020) também repercutiram na saúde mental dos professores.
Nesse contexto, as professoras tiveram maiores prejuízos em relação à saúde mental (Allen et al., 2020; Hidalgo-Andrade et al., 2021; Klapproth et al., 2020; Li et al., 2020; Oducado et al., 2020; Ozamiz-Etxebarria et al., 2021). É possível mencionar, ainda, a diminuição do engajamento dos estudantes, o aumento da carga horária (Klapproth et al., 2020; Silus et al., 2020), e a inaptidão com aparatos tecnológicos (Araújo et al., 2020; Kita et al., 2022) como fatores que propiciaram o adoecimento mental. Além disso, a falta de apoio institucional (Kita et al., 2022) e a precarização do trabalho (Ozamiz-Etxebarria et al., 2021) também impactaram negativamente a saúde mental dos docentes.
Especificamente em relação ao contexto brasileiro, diversos estudos anteriores à pandemia da COVID-19 buscavam determinar a prevalência e os preditores de Transtornos Mentais Comuns (TMCs) entre docentes. Nesse contexto, uma pesquisa (n = 127) com professores de uma universidade pública brasileira observou uma prevalência de 29,9% de TMCs (Campos et al., 2020). Nível similar (29,7%) foi observado em um estudo com 679 professores do Ensino Fundamental (Carlotto & Câmara, 2015).
De forma distinta, outra investigação identificou uma prevalência de 49,5% de TMCs entre os 110 professores da rede municipal de ensino que foram entrevistados (Baldaçara et al., 2015). Por sua vez, uma pesquisa de natureza longitudinal conduzida com 265 professores de Ensino Fundamental mostrou uma incidência de 18% de TMCs (Rocha & Souza, 2013). Já no que consiste na avaliação da prevalência de TMCs em professores durante a pandemia da COVID-19, um estudo envolvendo 1.427 professores de diferentes níveis de ensino reportou que 69% do público feminino e 59,2% do masculino apresentaram indicativos de TMCs (Pinho et al., 2021).
No que tange à investigação de preditores, o sentimento de desgaste na relação com os alunos, a insatisfação em trabalhar na instituição de ensino (Campos et al., 2020), a falta de realização no ofício e a exaustão emocional apresentaram associações significativas com desenvolvimento de TMCs (Brun et al., 2021). Além disso, ambiguidade funcional, sobrecarga laboral, pouco apoio social no trabalho e baixa percepção de autoeficácia também se mostraram como preditores de TMCs (Campos et al., 2020; Carlotto & Câmara, 2015; Rocha & Souza, 2013). Essas características das relações socioprofissionais e da organização do trabalho se mostraram, assim, relacionadas ao maior risco para o desenvolvimento de TMCs (Brun et al., 2021).
Em síntese, os estudos indicaram que a pandemia da COVID-19 e o trabalho remoto trouxeram repercussões negativas para a saúde mental dos professores. Contudo, para compreender o impacto disso na saúde docente, ainda se faz necessário uma maior investigação das condições de trabalho em home office, a exemplo do ambiente e dos equipamentos utilizados nesse novo contexto. Além disso, permanecem inexploradas a organização laboral que se instituiu quando os professores passaram a ministrar as aulas online, assim como as novas formas de relações estabelecidas com a comunidade escolar durante as atividades remotas.
Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo determinar preditores de TMCs em professores brasileiros que atuavam na rede pública de ensino durante a pandemia da COVID-19. Foram delineadas as seguintes hipóteses:
H1: as professoras terão maiores médias de TMCs;
H2: a idade vai se associar negativamente aos TMC’s;
H3: as médias mais altas de TMCs serão encontradas entre os professores negros, amarelos e indígenas (não brancos);
H4: os docentes sem companheiro terão maiores médias de TMCs;
H5: a renda vai estar associada negativamente com os TMCs;
H6: os docentes cuja renda diminuiu após o início da pandemia da COVID-19 terão maiores médias de TMCs;
H7: os professores do grupo de risco para COVID-19 apresentarão maiores médias de TMCs;
H8: os docentes diagnosticados com COVID-19 terão médias mais altas de TMCs;
H9: os professores que perderam amigos ou familiares para a COVID-19 apresentarão maiores médias de TMCs;
H10: os professores de níveis de ensino mais elevado que atuam em mais de um nível de ensino terão médias mais altas de TMCs quando comparados com docentes da Educação Infantil;
H11: as piores percepções da organização do trabalho estarão associadas a maiores níveis de TMCs;
H12: as piores avaliações das condições de trabalho estarão ligadas a maiores pontuações de TMCs;
H13: as relações socioprofissionais negativas se vincularão a pontuações mais altas de TMCs.
2.2 Método
2.2.1 Participantes
A amostra deste estudo foi composta por 14.374 professores brasileiros. A maioria dos respondentes era da região Nordeste (62,5%), seguida pelas regiões Sudeste (23,6%), Centro-Oeste (6,5%), Norte (5,6%) e Sul (1,8%). Quase 81% dos docentes eram do gênero feminino. A maior parte dos sujeitos se autodeclarou como pardo (52,8%), seguidos pela autoidentificação como branco (34,8%), preto (10,4%), amarelo (1,4%) e indígena (0,71%). A idade variou entre 18 e 74 anos (M = 42,1; DP = 9,4). Mais da metade dos docentes eram casados ou em união estável (59,4%).
A média da renda mensal domiciliar per capita dos participantes era de R$ 2.073,9 (DP= R$ 2.119,1). A maioria dos professores relatou que a renda familiar após a pandemia da COVID-19 se manteve estável (55,3%), embora 42,8 % tenham informado diminuição dos seus ganhos e 1,9% relatado aumento. Em relação ao nível de ensino em que lecionavam, 17,2% atuavam na Educação Infantil; 40,4%, no Ensino Fundamental; 12,0%, no Ensino Médio; 26,4%, em mais de um nível; e 4,0%, no Atendimento Educacional Especializado e na Educação de Jovens e Adultos. No que diz respeito à pandemia da COVID-19, 22,0% eram do grupo de risco para a doença. A maioria dos participantes (77,8%), contudo, respondeu que não a havia contraído, e 62,9% dos docentes informaram que perderam amigos ou familiares em decorrência do novo coronavírus.
2.2.2 Instrumentos
O questionário utilizado no levantamento continha os seguintes instrumentos: Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho Docente Remoto (EACTDR). Além desses, havia questões sociodemográficas (gênero, idade, renda familiar mensal, nível de ensino, tipo de contrato de trabalho, etc.) e perguntas relacionadas à pandemia da COVID-19 (p. ex.: “Você perdeu alguém próximo a você (amigo ou familiar) devido à COVID-19?”).
O SRQ-20 (SRQ-20; Harding et al. (1980) - adaptado por Gonçalves et al. (2008)) é um instrumento composto por 20 questões e utilizado para o rastreio de Transtornos Mentais Comuns. Todas as suas assertivas (p. ex.: “Assusta-se com facilidade?” e “Sente-se inútil em sua vida?”) variam entre “sim” e “não”. Às respostas afirmativas é atribuído o valor 1, enquanto às respostas negativas é atribuído o valor 0. O resultado é analisado somando-se as questões de modo que uma pontuação igual ou superior a 7 indica a presença de TMCs (Gonçalves et al., 2008). No estudo de validação, o instrumento demonstrou consistência interna satisfatória (α = 0,86), bem como na presente investigação (α = 0,87).
A EACTDR (Cunha et al., 2024) foi desenvolvida a partir da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) proposta por Ferreira e Mendes (2008). A versão final do questionário contou com 33 questões que avaliam três dimensões, a saber: condições de trabalho (α = 0,85; p. ex.: “O computador ou celular fica lento ou trava durante a realização do meu trabalho”), organização do trabalho (α = 0,93; p. ex.: “Preciso responder e-mails, ligações ou mensagens de trabalho que chegam fora do horário de expediente”) e relações socioprofissionais (α = 0,93; p. ex.: “Não há autonomia para decidir sobre as metodologias de ensino aplicadas nas aulas”). Os itens são respondidos com uma escala do tipo likert que varia de 1 (nunca) a 5 (sempre), e todos apresentam assertivas negativas, de modo que pontuações mais altas indicam piores avaliações do contexto laboral (Cunha et al., 2024).
No estudo de validação (Cunha et al., 2024), os índices de ajuste do instrumento foram satisfatórios (RMSEA = 0,073, 90% CI: 0,072 - 0,074, SRMR = 0,057, CFI = 0,985, TLI = 0,984). A medida também apresentou consistência interna adequada (condições de trabalho, α = 0,83, ⍵ = 0,87; organização do trabalho, α = 0,92, ⍵ = 0,94; relações socioprofissionais, α = 0,91, ⍵ = 0,94). No presente estudo, a pontuação de TMCs foi tomada como variável dependente, enquanto aquelas pertinentes ao contexto de trabalho, às experiências relativas à pandemia e aos dados demográficos foram tidas como independentes.
2.2.3 Procedimentos
2.2.3.1 Coleta de dados
A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho e julho de 2021. Utilizou-se um formulário eletrônico autoaplicável que foi divulgado através do curso online de aperfeiçoamento em “Tecnologia na Educação, ensino híbrido e inovação pedagógica”, promovido pelo Laboratório Digital Educacional da Universidade Federal do Ceará. Os participantes do curso receberam o formulário através da internet. Inicialmente, os respondentes eram direcionados ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, em seguida, eram questionados sobre a anuência em participar do estudo. Somente aqueles que concordaram em colaborar com a investigação eram encaminhados para o questionário propriamente dito. Foram incluídos na amostra somente professores da rede pública que atuavam de forma remota ou híbrida no período da pesquisa.
2.2.3.2 Análise de dados
Foi realizada uma análise de regressão linear múltipla com o objetivo de avaliar os preditores de transtornos mentais comuns. O Software R Studio (versão 2022.12.0) e os pacotes tidyverse (versão 1.3.2), tidymodels (versão 1.0.0), performance (versão 0.10.2), car (versão 3.1-1), olsrr (versão 0.5.3) e sjPlot (2.8.12) foram utilizados para realizar as análises. Foram testados os seguintes pressupostos: ausência de multicolinearidade, independência e normalidade dos resíduos, homocedasticidade de variância não nula.
2.2.4 Considerações éticas
O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual
Vale do Acaraú e autorizado sob o número CAAE 51056621.2.0000.5053, seguindo todas as diretrizes e normas regulamentadoras descritas na resolução CNS 466/12 e 510/2016.
2.3 Resultados
Na amostra, 21,6% dos participantes apresentaram indicativos de TMC’s. Em relação à regressão, os pressupostos de ausência de multicolinearidade (VIF < 3), independência entre os resíduos (Durbin-Watson = 1,98) e variância não nula (DP > 0) foram atendidos. Verificou-se, no entanto, que os resíduos não tinham distribuição normal, além de apresentarem heterocedasticidade. Dessa forma, devido à violação desses critérios realizou-se procedimento de bootstrap (1.000 reamostragens), que fornece melhores intervalos de confiança (Efron, 1987).
O modelo de regressão linear se mostrou significativo (F(16, 14357) = 306,5; p < 0,001; R2 = 0,25). Encontrou-se que as variáveis preditoras de TMCs foram gênero (β = 0,11, p < 0,001), idade (β = -0,17, p < 0,001), raça (β = -0,02, p < 0,01), situação da renda após o início da pandemia da COVID-19 (β = 0,04, p < 0,001), participação de grupo de risco (β = 0,09, p < 0,001), recebimento de diagnóstico de COVID-19 (β = 0,04, p < 0,001), perdas de familiares ou amigos para a COVID-19 (β = 0,05, p < 0,001), atuação no Ensino Médio (β = 0,03, p < 0,05) e em mais de um nível de ensino (β = 0,03, p < 0,01), organização do trabalho (β = 0,29, p < 0,001), condições de trabalho (β = 0,07, p < 0,001) e relações socioprofissionais (β = 0,13, p < 0,001). As variáveis estado civil e renda per capita familiar mensal não foram significativas no modelo. Essas informações podem ser observadas na Tabela 2.1.
Apresentaram maiores médias de TMCs docentes que pertenciam ao gênero feminino, que se autodeclararam brancos, que tiveram a renda diminuída após o início da pandemia, que eram do grupo de risco para COVID-19, que foram diagnosticados com COVID-19, que perderam amigos ou familiares para a doença, que atuavam no Ensino Médio ou em mais de um nível de ensino. A idade mostrou uma relação negativa com os TMCs, de modo que participantes mais velhos tinham pontuações menores. As variáveis organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho apresentaram uma relação positiva com os TMCs, assim piores percepções do contexto laboral implicavam em maiores pontuações nos TMCs.
2.4 Discussão
Nesta pesquisa, observou-se uma prevalência de 21,6% de TMCs em professores da educação básica. Tal valor é inferior ao encontrado em estudos brasileiros com docentes antes da pandemia da COVID-19 (Baldaçara et al., 2015; Campos et al., 2020; Carlotto & Câmara, 2015). Estes estudos utilizaram o mesmo ponto de corte para a avaliação de TMCs (≥ 7), porém analisaram níveis de ensino específicos, com menor tamanho amostral e com coletas de dados presenciais, o que dificultou a comparação entre os resultados.
No que diz respeito ao gênero, foi observado que as mulheres tinham maiores médias do que os homens em relação aos TMCs, o que apoiou a H1. Esse resultado é compatível com o observado em diversos estudos em que professoras têm maiores prejuízos à saúde mental quando comparadas aos professores (Alhazmi et al., 2022; Araújo et al., 2020; Klapproth et al., 2020; Li et al., 2020; Oducado et al., 2020; Ozamiz-Etxebarria et al., 2021). Essa diferença entre os gêneros pode estar relacionada com a sobreposição de atividades domésticas e de trabalho, que, historicamente, no contexto de uma sociedade patriarcal, são atribuídas às mulheres, o que resulta em maior sobrecarga física e psicológica (Araújo et al., 2020; Hidalgo-Andrade et al., 2021; Pinho et al., 2021).
Os resultados também evidenciaram que quanto menor a idade dos professores mais altos eram os índices de TMCs, o que confirma a H2. Observou-se achado semelhante entre docentes do Ensino Superior, em que se encontrou maior possibilidade de sofrimento psicológico nos participantes mais jovens (Akour et al., 2020). Em escolas de Ensino Fundamental, professores mais novos também apresentaram maiores chances de desenvolvimento de TMCs (Carlotto & Câmara, 2015). Em visto disso, é possível supor que professores mais experientes tenham desenvolvido melhores estratégias para lidar com as dificuldades da profissão, assim como com as restrições e os obstáculos impostos pela pandemia.
No que diz respeito ao impacto financeiro após o início da pandemia, foi possível observar que docentes cuja renda familiar diminuiu tiveram piores médias de TMCs, resultado que apoia a H5 deste estudo. Em consonância a este dado, algumas investigações também mostraram o impacto da renda na saúde mental dos docentes. Como exemplo, podemos citar que a diminuição da renda dos docentes durante a pandemia esteve associada a manifestações de tristeza, ansiedade e dificuldades no sono (Lima et al., 2021). Ademais, foram observadas correlações positivas entre o estresse e as preocupações dos professores com a insegurança socioeconômica durante a pandemia (Rubilar & Orós, 2021). Dessa maneira, além da necessidade de se adequar ao trabalho em home office e de enfrentar o medo do contágio pelo coronavírus, as perdas e o luto, os docentes ainda se perceberam desamparados por conta de perdas financeiras que acarretaram prejuízos para a manutenção de suas necessidades.
Os resultados também mostram que os docentes que pertenciam ao grupo de risco, os que perderam amigos ou familiares e os que haviam sido diagnosticados com COVID-19 tinham maiores médias de TMCs, achados que apoiam H7, H8 e H9. Em consonância com esses dados, algumas investigações demonstraram associações positivas entre o diagnóstico de COVID-19 e o desenvolvimento de problemas de saúde mental em docentes (Keim et al., 2022). Tal relação também era encontrada no que dizia respeito ao medo de contrair o vírus (Hossain et al., 2022). Tais resultados podem estar associados ao alto índice de propagação da doença, à ausência de um tratamento específico, ao contexto de isolamento necessário para prevenção e ao estado grave de saúde que pessoas dos grupos de risco poderiam atingir.
Houve diferenças entre os níveis de ensino e as médias de TMCs. Particularmente, docentes que atuavam no Ensino Médio e em mais de um nível tiveram médias mais altas quando comparados com docentes da Educação Infantil, o que confirma H10. Esse resultado é semelhante ao que foi achado em um estudo conduzido na Arábia Saudita em que os professores do Ensino Médio tinham duas vezes mais chances de desenvolver ansiedade do que aqueles que atuavam nos de outros níveis (Alhazmi et al., 2022). Já no Equador, observou-se que professores do Ensino Fundamental e Médio tiveram maiores níveis de sofrimento psicológico e estresse percebido em comparação aos que lecionavam nas universidades (Hidalgo-Andrade et al., 2021).
No contexto brasileiro, uma pesquisa detectou maiores prevalências de TMCs em docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental (Pinho et al., 2021). Em pesquisas internacionais, atuar na Educação Infantil e no Ensino Fundamental implicava em maiores prejuízos para a saúde mental dos docentes (Klapproth et al., 2020; Li et al., 2020; Ozamiz-Etxebarria et al., 2021). Tais variações podem estar associadas às diferenças de público-alvo, culturas, tamanho da amostra e pontos de corte utilizados. As metodologias e os constructos também são divergentes, pois abordam saúde mental a partir de, por exemplo, ansiedade e estresse. Dessa forma, vê-se que o impacto na saúde mental dos docentes depende dos desafios de cada nível de ensino (Alhazmi et al., 2022), considerando que cada faixa etária discente exige manejos específicos.
Os professores que se autodeclararam brancos apresentaram maiores médias de TMCs quando comparados aos não brancos, em desacordo com a H2 da investigação. Contudo, devido ao histórico de ausência de direitos, desigualdades sociais e econômicas, os negros têm maiores possibilidades de sofrer impactos da pandemia da COVID-19 (Goes et al., 2020). Nos Estados Unidos, durante a pandemia, a saúde mental de negros, hispânicos e asiáticos apresentou piores índices quando comparada à dos brancos (Thomeer et al., 2023).
No Brasil, a desigualdade racial nasce com a colonização, que tem o racismo como um de seus pilares. A representação da supremacia branca promove uma negação de si para os sujeitos negros. Existem tentativas de apagamento de uma negritude que não sente sua humanidade acolhida, pois o modelo ideal de vida predominante é dos brancos. Assim, pode-se imaginar que este contexto trouxe repercussões para a autodeclaração da raça dos participantes, o que pode ter influenciado o achado do presente estudo (Rodrigues, 2022).
Observou-se, ainda, que piores avaliações nas três dimensões do contexto de trabalho (organização do trabalho, condições de trabalho e relações socioprofissionais) estiveram associadas a maiores pontuações nos TMCs. Tais achados apoiam as H11, H12 e H13. Diante disso, dentre as três categorias, a organização do trabalho teve o maior tamanho de efeito em relação à saúde mental dos professores. Em estudo anterior à pandemia da COVID-19, também se observou que percepções negativas da organização do trabalho estavam ligadas a piores índices de TMCs (Brun et al., 2021).
No home office, houve aumento nas horas de trabalho dos professores que, por sua vez, mostraram-se correlacionadas a piores índices de estresse (Klapproth et al., 2020). Maiores níveis de estresse em professores argentinos durante o trabalho na pandemia estiveram associados com aspectos da organização do trabalho. Observou-se maior sobrecarga, exemplificada pela concomitância entre as tarefas domésticas e educacionais somada à imprevisibilidade nos horários de trabalho. Além disso, notou-se que maior cobrança vinda de chefes, alunos e pais se correlacionaram com quadros estressores (Rubilar & Orós, 2021).
Tratando ainda dos efeitos da organização do trabalho em professores universitários, o pouco domínio ou a inexistência de habilidades para o uso de equipamentos eletrônicos, como celular ou computador, e de recursos da internet foram apontados como preditores para o estresse (Kita et al., 2022). Diferentemente, viu-se que aqueles que receberam treinamento para o ensino online apresentaram menores prejuízos na saúde mental (Hidalgo-Andrade et al., 2021), evidenciando que a falta do apoio institucional teve repercussões negativas para os professores (Kita et al., 2022).
No que diz respeito às relações socioprofissionais, um estudo brasileiro anterior à pandemia apontou que as dificuldades no relacionamento com os alunos eram responsáveis por maiores chances para o desenvolvimento de TMCs entre professores universitários (Campos et al., 2020). Em uma investigação brasileira durante a pandemia da COVID-19, observou-se que os docentes tinham queixas relacionadas à falha de comunicação entre estudantes e professores por conta das dificuldades tecnológicas (Pinho et al., 2021).
Também foram apontados maiores riscos para TMCs em docentes que tinham dificuldades no relacionamento com chefes e com companheiros de trabalho (Brun et al., 2021). Encontrou-se, ainda, que piores índices de sofrimento psicológico entre docentes durante a pandemia estavam ligados à diminuição do diálogo com colegas de trabalho e às dificuldades em lidar com situações de crise (Jakubowski & Sitko-Dominik, 2021).
De modo geral, diversos estudos mostraram que os professores avaliaram negativamente as condições de trabalho em home office. Houve, por exemplo, dificuldade de acesso aos recursos para lecionar, como computadores e internet de qualidade (Klapproth et al., 2020; Oliveira & Pereira Junior, 2021; R. R. V. Silva et al., 2021). Além disso, existiram problemas em relação ao espaço físico, ao mobiliário e aos ruídos no ambiente (Pinho et al., 2021). Um estudo realizado durante a pandemia constatou que quanto maior a segurança material e técnica, bem como o acesso a recursos tecnológicos, menores foram os indícios de estresse percebido entre os professores (Kenebayeva et al., 2022).
Não foram observadas associações entre TMCs, renda e estado civil. Estes resultados refutam H5 e H4.
2.5 Considerações finais
Este estudo teve como objetivo principal investigar os preditores de TMCs em uma amostra de professores brasileiros. Aproximadamente um quarto dos participantes apresentou indicativo de TMCs, e, no tocante aos preditores, as variáveis com maiores tamanhos de efeito foram, nesta ordem, organização do trabalho, relações socioprofissionais, idade e gênero.
Dentre as forças do estudo, destacam-se o tamanho da amostra e a sua abrangência nacional. Ademais, o uso de uma escala que avaliava especificamente o contexto de trabalho docente remoto deu ao estudo um caráter inovador para compreender a relação entre as atividades em home office e a saúde mental. A despeito disto, uma das limitações foi ter realizado uma amostragem por conveniência, o que impede a generalização dos resultados.
No que se refere às possibilidades de pesquisas futuras, é relevante aprofundar, a partir de estudos qualitativos, a compreensão da organização do trabalho nas escolas, dado seu impacto na saúde mental dos professores. Compreender os modelos de gestão, as formas de fiscalização, as tarefas, a realização das atividades em si, dentre outros fatores, pode ajudar na construção de ações de promoção e prevenção à saúde. Para além disso, a relação entre raça e saúde mental também precisa ser aprofundada, dado que os resultados encontrados diferem do que já foi observado na literatura de modo geral.